sexta-feira, 28 de março de 2014

A professora do primário e o fim da ditadura.

Minhas lembranças do regime ditatorial, pelo qual passou o Brasil, tem um tom mais forte com a imagem da minha professora do primário chorando em sala de aula, de alegria, pela redemocratizacao.
Professora Socorro era alta, magra, voz grave, semblante serio e disciplinadora. Lecionava português para o terceiro ano do primário na Escola Estadual Zulmira Bittencourt, no bairro de Sao Jorge, Manaus. Conhecida pela seriedade e controle emocional, profissional excelente e pontual, era muito exigente com seus alunos.
Me sentava na primeira fileira, porem um pouco distante de sua mesa, minha atenção para com ela ia alem das aulas, seu tom de voz transmitia coragem, segurança, clareza. Me fixava em seus gestos, modo de ensinar, vestir, tratar os alunos.
Naquela manha de 1982 véspera das eleições para governador, depois de muitos anos sem ter o direito de ir as urnas, livremente, minha professora passou a relatar para os pequenos alunos os amargos anos da ditadura, a repressão, o "cale-se", as perseguições de amigos e parentes. Como consequência natural, em meio a um surpreendente sorriso pela expectativa de reencontrar as urnas depois de longos anos, minha professora, as portas da merecida aposentadoria, chorou emocionada pela queda da ditadura e pela redemocratizacao.
Então, nao entendia a profundidade dos motivos que a emocionavam, mas sabia que se tratava de algo relacionado a política do Brasil, pois ela nos convocou a ficarmos de pe e a cantarmos o hino nacional. Restou gravado em minha memória, aquelas palavras que fluíam libertas de um coração represado, que despertavam em nos, ainda crianças, uma consciência de democracia que deveríamos levar por toda a vida.
Os anos se passaram, lembro da efusiva celebração pela eleição de Tancredo, tomamos as ruas do bairro com cores da bandeira brasileira nas mãos, dançando como se estivéssemos vencido a copa. Logo após, a profunda tristeza, o luto pela morte do presidente eleito e as incertezas nos oprimiam.
Então veio a elaboração da constituinte e, lembro bem, de minha professora celebrando cada avanço para o futuro e cada passo que nos distanciava do passado sombrio de repressão e abusos. Celebrou o fim da censura e leu em voz alta trechos de "textos subversivos" que haviam sido censurados pela ditadura. Ela nos informava do que estava prestes para ser votado na constituição, nossos direitos, e reafirmava o valor da democracia em cada lagrima e cada sorriso que lhe escapava da face.
Vivi aqueles anos com os olhos da inocência, mas com a consciência democrática. Meus pais e minha professora plantaram em mim o valor democrático que busco viver e transmitir na liderança que exerço, no convívio familiar, nas instituições das quais sou membro e no meu pais.
Hoje, em que se fazem 50 anos de instauração do regime militar, trago minhas homenagens a todos os que lutaram, suportaram o no preso na garganta e estancaram o sangue quando fervia. Aos que se exilaram e aos que nao tinham como se exilar em outro pais e tiveram que exilar se dentro de si. Na pessoa da minha saudosa professora Socorro Oliveira, presto minhas homenagens.
Ditadura, nunca mais! Viva a democracia!