domingo, 21 de dezembro de 2014

Isso aí não é o natal! (Um breve conto).


"NOTA DE DESAGRAVO"

"venho a público esclarecer e desagravar o nome da família em face da atitude de meu irmão ao declarar publicamente, que nossa ceia de natal todos os anos é uma farsa! Ele afirma que durante o ano inteiro nos comportamos como estranhos, falamos mal uns dos outros, não nos importamos com os que estão doentes, abandonamos nossos velhos pais e avós, só contamos vantagens pessoais e no Natal colocamos um sorriso postiço na boca e entregamos presentes debaixo de uma árvore fantasiada feita de material ecologicamente impróprio.
Meu irmão está enganado, pois os hábitos da nossa família não são diferentes do restante da sociedade: enfeitamos a casa, colocamos a árvore de natal e a decoramos, compramos presentes, organizamos corais que cantam "noite feliz, noite de paz...", alugamos um papai Noel que chega logo após a ceia com um saco de bondades para as crianças, nossa mesa tem todo o tipo de iguarias, vestimos roupas novas e  nos cumprimentamos cordialmente. Ou seja, meu irmão está enganado. 
Ele na verdade é um traidor, um desalmado, um reclamador contumaz. Só porque não nos falamos o ano todo, ele esteve internado e não o visitamos porque não tínhamos tempo. Não falo mal dele, só falo a verdade, que pecado há em ser sincero. Nossos pais vivem num asilo beneficente e a gente vai lá, as vezes, no dia das mães. Que culpa tenho de ele não ter dinheiro para gastar no natal, afinal de contas sem dinheiro não tem festa. Afinal nesse período ninguém lembra da manjedoura, não combina com o papai Noel. 
Portanto, em nome da família quero desagravar tamanha afronta e informar que, passada as festas de fim de ano, vamos nos encontrar na justiça onde ele será condenado por danos morais e materiais por tal infâmia a nossa família.". 
24, dezembro...

No mesmo jornal, no mesmo caderno, algumas páginas depois, escondida entre anúncios de promoção de natal e ano novo, com letras minúsculas havia uma nota de falecimento que dizia: "informamos aos familiares e amigos que faleceu a matriarca da família, sozinha, sem ter ninguém que a amparasse, tendo sido enterrada por voluntários que regularmente visitam os velhinhos deste asilo".
Asilo beneficente... 
24, dezembro...

Enquanto isso, no shopping mais movimentado da cidade, exaustivamente se ouvia: 

"Eu pensei que todo mundo fosse filho de papai Noel...". 

"It's the most wonderful time of the year...".