As praias dela são maravilhosas, não dá pra esquecer El
Agua, Parquito, Coche. Seu mar azul, montanhas e areias brancas como um talco.
Sua música, ritmo que faz balançar da ponta dos pés aos ombros e faz a cabeça
delirar. Seu tempero e a cor dos tecidos, as boas risadas no contato com o
dialeto e a cultura dos caribenhos, dos andinos e indígenas com estruturas de
estradas aos moldes norte-americanos.
Porto de alegria que abriu os ferries para levar os
amazonenses a conhecer o mar, desejo antigo dos nossos ancestrais a apenas dois
mil quilômetros do nosso Rio Negro desconfiado.
A desvalorização do Bolívar frente ao real e a possibilidade
de encher o tanque de combustível com uma moeda de 50 centavos de real fizeram
de Margarita na Venezuela o éden amazonense.
Mas a crise chegou, a febre acabou e a violência fez cessar
o romance. Maduro apodreceu e como uma
laranja podre no meio do cesto estragou tudo.
Então, o movimento migratório se modificou, não mais os
amazonenses iam em busca dela, mas agora ELA, Venezuela, vem pra cá em busca da
alegria de ter o mais básico para a sobrevivência, comida, teto e saúde. Vem a
pé pela fronteira com Roraima mais de 6 mil venezuelanos por semana. São indígenas,
cidadãos comuns, empresários, mulheres sem expectativa de uma vida digna que se
prestam a fazer de tudo.
A fronteira frenética
trazendo doenças, miséria, dores e vergonha, sobrecarrega a já capenga estrutura
social brasileira que não estava preparada para esse êxodo ás avessas. Os
haitianos e agora as venezuelanas estão a testar nossa tênue cultura de
hospitalidade aos estrangeiros, tirando nossa distância dos povos da fronteira
e obrigando os Manauaras a se colocar no lugar deles, pois por hoje somos nós
que damos abrigo, amanha tudo pode mudar.
Nas esquinas e semáforos de Manaus lá estão elas, pés
descalços, nas mãos seu caneco de plástico, suas roupas tipo chitas e seus
filhotes pendurados a clamar por moedinhas. Em fotos no face, políticos
oportunistas querem faturar popularidade com o ínfimo apoio que lhes dão, antes
davam de ombro a esse drama. Elas são indígenas deslocadas de suas origens,
apontando para o descaso com a cultura indígena que temos para com eles, assim
como temos para conosco mesmo.
Enquanto a ditadura sangrenta e medieval perdura por lá,
elas aqui vão viver essa ilusão de pedintes que somente alimentam suas próprias
misérias e de seus filhos, vendendo sua rica cultura e conhecimentos naturais
por este prato de lentilhas baré que o capitalismo do mormaço e o politiquismo
da falsa solidariedade lhes dá.
Na nossa história, falhamos em reinserir no seu contexto
cultural os povos indígenas que vieram por rotas migratórias do alto rio negro
e alto Solimões para Manaus em busca da riqueza da zona franca. Ao que tudo
indica, os políticos vão falhar na missão de reinserir na sua cultura, na sua
Venezuela, povos que estão aqui, mas não são daqui e esperam por um projeto de
resgate de sua cultura e dignidade no lugar onde exercerão plenamente sua
cidadania. Ela, Venezuela, não vai viver com dignidade nas ruas estranhas
pedindo e mendigando a vida inteira e carregando na alma a saudade da sua
terra, da sua Venezuela.